Memórias do Carnaval de Manaus: o Bar Avenida e a Kamélia

Recebo uma ligação inesperada e minha querida prima, Cleo Petillo Cotta, grande foliã e entusiasta das festividades de Momo, do outro lado da linha, afirmou segura: “Vou te dar um presentão e vais adorar!” Em pouco tempo, logo após breve e prazeroso encontro, eu era, agora, o proprietário orgulhoso, de uma herança de família, um pequeno, mas precioso jogo de louças de café, composto de seis taças e seis pires do saudoso e tradicionalíssimo Bar Avenida.

Os objetos, sozinhos, mesmo os de notório valor histórico, são inanimados, impassíveis e não falam por si sós, muitas vezes, empoeirados e esquecidos, precisam de quem lhes possa dar voz e vez, resgatando as suas memórias e narrativas. Essas peças revelam muito da relação que tivemos com elas e consequentemente, mostram, bastante, o que somos, pelo engenho da sua criação, seu uso e o passado transcorrido.

A encantadora epopeia do Bar Avenida é a cara da nossa Manaus, com suas características marcantes de um imenso sincretismo cultural e relevante riqueza artística, começando desde a belle époque, como um grand hotel e restaurante com características francesas e podemos evocar mentalmente nosso carnaval manauara, com a presença de brincantes, em corsos jocosos, como os Paladinos da Galhofa e figuras bufas, cruzando os salões festivos do bar, jogando confetes e serpentinas, dando vida a personagens como o Pierrot, Arlequim, Colombina, Pantalone, Capitano e outros, tão amados da commedia dell’arte do país do macarrão e que ainda hoje, desde as saturnais romanas, influenciam e engrandecem o nosso carnaval amazônico. Até mesmo, as gerações atuais, tão tecnológicas, já ouviram e conhecem a canção de Zé Kéti, autor de Máscara Negra, “…Arlequim está chorando pelo amor da Colombina…Vou beijar-te agora, não me leve a mal, hoje é carnaval”.

Quero, contudo, lembrar com cores mais vivas, o período em que o Bar Avenida foi gerido pelo casal Giovani e Adelina Meneghini, (oriundi italianos jus sanguinis, filhos de pais italianos e não jus soli, nascidos em solo italiano, tios e padrinhos de batismo deste que vos escreve), quando no início dos anos cinquenta, deram mais vida, vigor e impulso ao famoso bar, abraçando e promovendo outras tendências, como por exemplo, lembramos que foram um dos primeiros, nesta capital, a usarem taças de vidro em “V” amplamente utilizadas e popularizadas em bares americanos, apesar da origem europeia, para servirem sobremesas e principalmente salada de frutas com um sorvete de creme por cima, pospastos deliciosos feitos no próprio estabelecimento, virando um recorde de vendas do amplo cardápio do bar, objetos que registram e revivem a memória de uma determinada era e das pessoas, protagonistas de uma época que já se foi, como a areia, que correu célere, numa ampulheta a medir intervalos de tempo, sob o comando do onipotente e inexorável deus Chronos.

Jogo de xícara icônico do lendário Bar Avenida, que reuniu gerações de jornalistas e famílias por décadas.

Acolhedores e festeiros, recebiam a todos, dos grandes intelectuais da cidade aos boêmios do Clube da Madrugada, políticos, jovens e muitas famílias que apreciavam a boa cozinha.

Destacaram-se pela inclusão no bar, de outros elementos, estes então, bem brasileiros, valorizando a gleba que os acolheu e que sempre foi caracterizada pela alegria, espontaneidade e cordialidade, muito diferente da dureza e do rigor dos torrões de origem, onde foram perpetradas as guerras mundiais do início do último século. Foi quando o Bar Avenida, de Giovani e Adelina, na icônica esquina da Avenida Eduardo Ribeiro com a Rua Saldanha Marinho, recebeu pela primeira vez, atualizada e já constituída como a conhecemos, a boneca Kamélia com todo o seu gingado, gaiatice e grandiosidade folclórica, contribuição, também, daqueles oriundos dos povos provenientes do continente africano e que conjuntamente, com judeus, árabes, indianos, asiáticos, dentre outros, se abrasileiraram, por aqui, em terras de Ajuricaba, no ritmo do samba.

Desse momento em diante, a Kamélia se tornou uma querida tradição dos Manauaras, que esperam a sua chegada, que agora acontece no Olímpico Clube, sempre no começo do ano, para abrir oficialmente o Carnaval de Manaus, tornando-se, desde 2015, reconhecidamente, Patrimônio Cultural Imaterial do Estado do Amazonas.

Desejamos a todos, que seguem esse portal, citando novamente a famosa marchinha, nada de choro, mas “Tanto riso, oh quanta alegria…” que possam, com segurança, brincar e bem aproveitar as folias de Momo.
Bom Carnaval a todos!

Leonardo Novellino
Colunista de Arte, Cultura e Turismo

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